Júlio Furtado[1]
Conhecer a nós mesmos ainda se configura como um de nossos maiores desafios. Enfrentamos algumas barreiras nesse processo que necessitam de muita autodeterminação para serem vencidas. Além do medo de nossa própria decepção, o medo de nos descobrirmos imperfeitos aciona um pavor infantil de não sermos aceitos e amados pelos outros. O dilema se avoluma na medida em que descobrimos que o que não percebemos em nós fica, em geral, exposto para os outros. O comportamento egoísta para nós desconhecido fica, via de regra, evidente para os que nos cercam. O outro tem sempre um segredo sobre nós. Contar-nos ou não é questão de autorização relacional. Se através da forma como nos relacionamos, deixamos clara a permissão para que nos contem o que estão vendo em nós, somos mais bem sucedidos na tarefa de nos autoconhecer. Caso contrário, nos afogamos no lago ilhado de nossa pobre auto percepção.
Para todas as pessoas esse processo é importante para o autodesenvolvimento, mas para nós, professores, ele é vital. A essência do ato de educar é potencializar o outro, ou seja, educação pressupõe levar o outro a se superar continuamente e não nos auto superamos sem nos autoconhecer. O autoconhecimento é para o professor, pré-requisito para que ele consiga, de fato, educar.
O ato de educar, fiel a sua essência, é um ato muito mais de incentivo e de facilitação da descoberta do que um ato informativo de acumulação de dados. Educamos quando levamos o outro a se auto superar, de forma que tenha de si uma imagem melhor do tinha antes e a partir daí fortaleça sua autoestima e aumente seu nível de expectativa com relação às suas conquistas. A maneira mais eficaz de educar é através da mediação da aprendizagem. Mediar a aprendizagem é aproximar o aluno do conhecimento, facilitando o processo de descoberta e compreensão. Estamos mediando a aprendizagem quando elaboramos uma atividade através da qual aluno e conhecimento se encontram, tendo como resultado a aprendizagem. Ao apresentar situações desafiadoras previamente planejadas e assessorar as crianças e adolescentes no processo de busca de soluções, estaremos mediando a aprendizagem.
O processo de mediação diferencia-se do processo de ensino tradicionalmente concebido na forma do professor encarar o conteúdo. No processo tradicional de ensino, o conteúdo encontra-se na cabeça do professor e é transmitido, através da fala, para a cabeça do aluno. Esse conteúdo “entra” na cabeça do aluno pelo ouvido, vindo daí a crença de que para aprender é preciso estar em silêncio, de que aluno que não ouve em silêncio não aprende. Ao contrário, o processo de mediação da aprendizagem coloca aluno e conteúdo em interação, tendo o professor como o viabilizador desse encontro.
O processo de mediação pode ser desdobrado em dois: a mediação didática e a mediação relacional. A mediação didática diz respeito a apresentação do conteúdo numa linguagem e numa “sintonia” que o aluno possa entender. O bom mediador didático “traduz” o conteúdo num nível que o aluno entenda. Um bom exemplo de mediação didática é apresentar o movimento de translação da Terra usando uma laranja com um palito no meio e uma lanterna representando respectivamente a Terra e o Sol. A mediação relacional ocorre entre o professor e o aluno e sua principal finalidade é motivar, ou seja, não deixar o aluno desistir de aprender. É a mediação que ocorre quando num gesto simples o professor diz “Você está quase lá… continue que você vai conseguir!!”. Para ser um bom mediador relacional, o professor precisa realmente acreditar na capacidade de aprender do aluno. Precisa ter para com o aluno um olhar de possibilidade e ajudar esse aluno a enxergar esse potencial.
Podemos dizer que com relação à mediação didática, estamos diante de uma competência técnica e com relação à mediação relacional, estamos diante de uma competência relacional. Competências técnicas são desenvolvidas através da aprendizagem de métodos e técnicas, que podem ser aprendidos a partir do esforço basicamente cognitivo. Quando falamos de competências relacionais estamos falando de algo diretamente ligado à forma de ser, ao caráter, aos valores que a pessoa carrega, enfim, algo ligado à personalidade. Sempre que perguntam qual dessas competências é mais importante para caracterizarmos o bom professor, costumo dizer que é a mediação relacional, pois a mediação didática é questão de treinamento, já a relacional é questão de mudança no jeito de ser, o que é muito mais complicado. É nesse ponto que o que somos perpassa a nossa prática pedagógica e para sermos realmente comprometidos com a nossa prática, temos que ser “radicalmente” humanos.
Outra questão que nos “embola” totalmente a dimensão pessoal e a dimensão profissional é o fato da aprendizagem ser uma instância mais facilmente acessada através da interação cultural e afetiva. A interação cultural facilita a comunicação professor-aluno na medida em que aproxima os dois num universo cultural semelhante. Nesse sentido, o professor, num primeiro momento, precisa facilitar a identificação cultural do aluno com sua pessoa. É por isso que devemos proporcionar uma interação horizontal com os alunos, brincando, comentando sobre nossas preferências, eventos corriqueiros do cotidiano, etc. Essa atitude ajuda o aluno a nos ver como igual, como parte de sua cultura. Uma vez realizada a interação cultural, o aluno (e também o professor) se abre mais facilmente a uma disposição afetiva. Concluímos, então, que nós, professores, precisamos nos dispor a uma relação pessoa-pessoa antes de estabelecermos uma relação professor-aluno. Esse dado, por si só, já dificulta em muito uma relação apenas profissional no exercício do Magistério.
É através da interação cultural que facilitamos a interação afetiva, que por sua vez, facilita a interação cognitiva, caminho final para a aprendizagem. Equivale dizer que o professor precisa travar uma relação pessoal verdadeira e horizontal com o aluno como caminho para uma interação afetiva, igualmente genuína, que vai potencializar uma relação cognitiva de confiança que por sua vez resultará numa aprendizagem. Fica claro, aqui, que a relação de aprendizagem começa no olhar que lançamos para o aluno, na nossa predisposição de envolvimento humano e no nosso nível de consideração e aceitação do aluno.
É parte inseparável do contexto educacional a Educação para a superação. Como já dissemos, educar é, em última instância, incentivar a autodescoberta e para que isso seja possível, precisamos substituir a censura pelo apoio e criar um clima para uma conversa aberta que favoreça o autoconhecimento e a superação das dificuldades através da potencialização das forças e do controle estratégico das fragilidades. É essencial, também, aprender a adiar o prazer num mundo que convida o tempo todo à satisfação desenfreada. É também parte inseparável do ato de educar, o desenvolvimento de habilidades essenciais à sobrevivência num futuro próximo. Dentre essas habilidades, destacam-se a autonomia, a seletividade, a flexibilidade, a interação, a serenidade e a resiliência. É fundamental ajudar os alunos a desenvolver a educação da vontade. Está mais do que provado que o que nos move não é a inteligência, mas sim a vontade. Uma pessoa muito inteligente, mas fraca na administração de sua vontade não sai do lugar. Por outro lado, alguém de inteligência média, mas com alto potencial de domínio de sua própria vontade, atinge seus objetivos com relativa facilidade.
Uma das principais necessidades de reconfigurarmos urgentemente as relações educativas é o fato de vivermos, hoje, numa sociedade com baixíssimo índice de maturidade emocional e com elevado índice de carência afetiva. Numa sociedade assim, passa a ser frequente o pavor de não ser amado e surge a dificuldade de se olhar para a criança e para o jovem com olhos de educador, ou seja, com os olhos de quem já superou todos os conflitos típicos dessas fases do desenvolvimento humano. Aliado a tudo isso, a crise de valores que assola nosso mundo em transição nos impede de ter certeza quanto à atitude certa a tomar. Somos reféns da dúvida, da culpa e do sofrimento que ambas acarretam. Somente mergulhados por inteiro na tarefa de educar é que conseguiremos fazer a diferença nos destinos de nossas crianças e jovens.