Temos defendido ultimamente que a reflexão sobre o ensino adequado da leitura deverá ser perpassada, necessariamente, por uma perspectiva de luta contra a barbárie imposta pela mídia eletrônica e pelo senso comum! Todavia, isso em nosso país não é tarefa fácil, haja vista a situação de muitos professores que se confessam não-leitores (25% dos entrevistados, segunda a Câmara Brasileira do Livro) e de outros tantos que não veem na leitura oportunidades de ampliação de conhecimentos, de atualização, informação e de formação continuada. Essa questão se agrava ainda mais se levarmos em conta os diferentes encaminhamentos metodológicos presentes no cotidiano escolar, que têm como pressuposto que é possível o aluno aprender somente em contato direto com o objeto do conhecimento. Em outras palavras: há quem pense que, depois dos dois primeiros anos iniciais de escolaridade, para ensinar a ler basta propor a leitura de muitos e diferentes textos e encaminhar algumas perguntas sobre suas ideias, para finalizar a tarefa com a comparação entre elas e, quando for o caso, a correção das mesmas.
Como ocorre com todo conhecimento humano, para ser ensinada, a leitura necessita de mediação competente e intencional, e isto requer o entendimento básico do que arrolamos a seguir. Para que o sentido do texto seja depreendido, faz-se necessária que sua leitura ocorra com ritmo, fluência e entonação. Entretanto, para se ler com ritmo, fluência e entonação há que se conhecer, antecipadamente, o sentido do que é lido, ou seja, é preciso perceber (e antecipar) a intenção de quem escreve e o contexto em que o texto foi produzido. Isso se caracteriza como tarefa complexa, própria de leitor experiente, e daquele que tem a responsabilidade de formar novos leitores competentes. Como é dado a perceber, não mais é possível afirmar, como alguns de nós ouvimos em nossos bancos escolares, que a vírgula significa uma pausa pequena e que o ponto final representaria, então, uma pausa maior para que se possa respirar. As pausas, maiores ou menores, e o tom de voz, mais firme ou mais doce, dependerá sempre do que o texto tem a nos dizer. Talvez por isso seja tão difícil gostar de ler. Talvez por isso, nem sempre, a escola alcance êxito nessa tarefa. Talvez por isso o professor, apesar de suas boas intenções, afaste, às vezes, o aluno do ato de ler.
Refletir sobre as ideias de um texto, em qualquer área do conhecimento ou de qualquer tipologia e gênero, implica trabalho profundo através da oralidade, quando professor e alunos se debruçam sobre a análise de um discurso, produzido em determinada circunstância, em dado local e época específica! Clarificar esses aspectos e auxiliar no estabelecimento de relações que são possíveis a partir deles é imprescindível para ensinar a ler.
Há ainda a questão de dependência existente entre código (conteúdos de Língua Portuguesa) e significado (ideias veiculadas pelos conteúdos em funcionamento), que nem sempre são explicitadas no momento da leitura do texto e que muito auxiliaria o aluno na construção de sentido sobre o texto lido e para a ampliação de sua competência linguística.
Por exemplo, em uma aula de Geografia ou História, ao discutir, compreender e sintetizar a ideia básica de cada parágrafo do texto estudado o professor estará, ao mesmo tempo, orientando a construção de conceitos sobre sua área do conhecimento, ensinando os conteúdos da escrita denominados paragrafação e sequência lógica, e dando subsídios para que os alunos iniciem sua experiência escrita com sínteses e resumos. Da mesma forma, um professor de Matemática ou de Ciências, quando encaminha a leitura e a reflexão de situação-problema e enfatiza o papel e a importância dos pronomes e advérbios (ele, sua, aqui, lá) que foram utilizados para evitar a repetição desnecessária de alguns termos da questão, estará determinando o entendimento do que é proposto e, ao mesmo tempo, ensinando o uso adequado de elementos coesivos.
Todavia, compreender e desenvolver quesitos como esses, ainda que básicos e imprescindíveis para a efetivação da aprendizagem, não é o que há de mais importante para se chamar a atenção com relação ao ensino da leitura em sala de aula. O que, de fato, deveria sensibilizar e mobilizar todos os educadores, independente de área de atuação, é o caráter multifacetado do ato de ler, quando se utilizam (ao mesmo tempo em que ampliam) todas as capacidades superiores do cérebro. Em outras palavras: ao lermos textos de qualquer natureza colocamos em funcionamento faculdades iminentemente humanas, como a percepção, atenção voluntária, abstração, memória, generalização e a própria linguagem.
Assim, a influência dessa aprendizagem nunca é específica, pois ao utilizar as capacidades cerebrais para o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita ocorre a ampliação de competências em toda a esfera intelectiva. E isso sim, significa um avanço real no desenvolvimento mental do aprendiz.
Por essa e outras razões é que vemos tantos movimentos em prol ao ensino da leitura como primeira necessidade para a Educação brasileira, pois a tarefa mais importante da escola deveria ser tomar o letramento como vetor principal do currículo de toda educação, capacitando sujeitos para que possam transitar com autonomia no contexto de uma sociedade letrada, caracterizada pelo uso intenso e diversificado da linguagem escrita.