2ª parte da entrevista de Júlio Furtado concedida à Revista Direcional Educador
9- De que maneira o Projeto Político-pedagógico pode ajudar a garantir a eficácia do currículo da escola?
Garantindo uma avaliação competente e democrática do nível de aprendizagem alcançado. Um currículo é eficiente não porque é bem escrito ou porque produziu muitos gráficos, mas sim porque promoveu aprendizagens significativas e efetivas. O PPP deve oficializar o currículo, não mais como uma mera relação de conteúdos e atividades, mas como um processo que precisa ser desenvolvido para alcançar determinados fins. Nesse contexto, não se pode afirmar que o currículo é bom se o professor não souber desenvolvê-lo e nem se o aluno não conseguir aprendê-lo. Um currículo eficaz leva em conta seus atores e articula meios para garantir sua efetividade.
10- O que é um currículo estruturado por habilidades e competências e em que ele se difere dos demais currículos?
Em síntese, num currículo assim, as aprendizagens são baseadas em resultados, os resultados são baseados em padrões e a avaliação é baseada na ratificação dos resultados obtidos. Aprendizagem baseada em resultado exige que a preocupação central seja o que os alunos conseguem realizar, que desafios eles conseguem vencer e o que conseguem produzir a partir do que sabem. Resultados baseados em padrões pressupõem clareza a respeito do que e do quanto se quer que os alunos realizem. Que tipos de desafios um aluno do quinto ano precisa ser capaz de vencer? Em que nível as soluções devem ser apresentadas? Num currículo organizado por habilidades e competências, o principal papel da avaliação é ratificar ou não os resultados obtidos. As situações-problemas precisam ser resolvidas num nível e numa frequência tais que se possa afirmar que a competência foi ou não foi adquirida. Além disso, um currículo organizado por habilidades e competências tem como referencial as situações desafiadoras que os alunos terão que “dar conta”. Os conteúdos são selecionados e sequenciados em função das exigências das situações desafiadoras. Por fim, organizar o currículo por habilidades e competências exige compreensão por parte de toda a equipe pedagógica de que as atitudes centradas no conteúdo precisam ser mudadas. O foco é a aquisição das habilidades e competências que vão possibilitar a solução das situações complexas apresentadas.
11- Qual o papel da gestão da escola no processo de gestão do currículo visando garantir resultados satisfatórios de aprendizagem?
O papel do gestor escolar é garantir condições para que haja uma gestão competente do currículo e consequentemente dos resultados de aprendizagem. Isso deve ocorrer, inicialmente, através do processo de construção, acompanhamento e avaliação do PPP. É no Projeto Pedagógico que se clareia a concepção de currículo que a escola irá adotar e definem-se as metas e as expectativas de aprendizagem. O apoio e a participação nas atividades curriculares e a parceria plena com a gestão pedagógica da escola são duas ações essenciais para o sucesso da aprendizagem.
12- O que são expectativas de aprendizagem?
São a descrição dos conteúdos e habilidades essenciais a serem desenvolvidas em cada disciplina. Elas devem evidenciar, também, a evolução de domínio do conteúdo de forma vertical, ao longo das séries ou ciclos. Por exemplo, no primeiro ano o aluno, em Matemática, pode ter como expectativa de aprendizagem, “usar e fazer tabelas simples”. No quarto ano, essa expectativa deve ser “interpretar dados de tabela de dupla entrada e de gráficos de barras”. No segundo e no terceiro anos, essa expectativa sofre pequenos acréscimos de forma a torna-la cada vez mais complexa. A partir das expectativas de aprendizagem, os professores selecionam os conteúdos e planejam as atividades desafiadoras que servirão de base para o desenvolvimento dessa habilidade. As escolas e redes estaduais e municipais que trabalham com expectativas de aprendizagem bem definidas conseguem dar ao planejamento uma consistência e utilidade que o professor geralmente não consegue ver, além de viabilizar avaliações externas que checam o alcance de tais habilidades.
13- De que forma o PPP pode ajudar a garantir o alcance das expectativas de aprendizagem?
As expectativas de aprendizagem devem fazer parte do Projeto Político Pedagógico. Tenho visto muitos PPPs que trazem os objetivos e conteúdos por série/ciclo. Seria mais útil e “comprometedor” que no PPP fossem transcritas todas as expectativas de aprendizagem por série/ciclo. Na verdade o que precisa ser acompanhado e cobrado não é se todo o conteúdo foi “dado”, mas sim se as habilidades e competências foram adquiridas. Outra forma através da qual o PPP pode ajudar a garantir o alcance das expectativas de aprendizagem é, quando na sua confecção, a equipe pedagógica reúne-se para discutir e defini-las, pois nesse momento, podemos trabalhar o compromisso com tais expectativas.
14- Projeto Político-pedagógico e gestão democrática necessariamente caminham juntos?
A ideia de Projeto Político-pedagógico está intimamente ligada à ideia de gestão democrática, de administração colegiada. Como já disse, o PPP nasceu como uma reação à administração centralizada da Educação, vivenciada durante os anos de ditadura militar. Dessa forma, a elaboração de um PPP já é, por si só, um exercício de Democracia e participação. Nesse processo, precisam se envolver representantes do corpo docente, dos estudantes, dos funcionários e da direção da escola, dos pais e da comunidade. Em diversos momentos dessa construção é necessário o uso de estratégias que garantam a participação de todos e a manutenção de um clima respeitoso de discussão e não de imposição de ideias. Caso a construção do PPP não ocorra dessa forma, ele estará sendo negado no seu nascedouro.
15- É possível, então, um Projeto Político-pedagógico numa escola privada?
Cada vez mais temos assistido escolas privadas realizando a construção coletiva do Projeto Político-pedagógico. Eu diria que tem sido construções “o mais coletivas possível”, dadas a realidade, a estrutura e as finalidades das escolas particulares. Penso que as escolas privadas precisam estabelecer um processo democrático diferente do das escolas públicas. Nelas, as diretrizes emanam da alta direção e a construção dos projetos e a operacionalização do currículo são frutos de construções coletivas. O grande desafio dessas escolas é equacionar os interesses concorrenciais com as reais necessidades do processo educacional, segundo a opinião de sua comunidade. Refiro-me, por exemplo à difícil escolha da escola assumir, através do discurso e da prática, que não está focada em percentuais de aprovações nos vestibulares federais e estaduais e sim no desenvolvimento das habilidades e competências necessárias a um cidadão consciente e autônomo.
16- O Projeto Político-pedagógico já é uma realidade nas escolas brasileiras ou ainda estamos distantes dessa prática?
Da forma que ele deve ser implantado, infelizmente ainda estamos distantes dessa prática. Uma pesquisa feita pela Fundação Victor Civita em 2009 que buscou traçar o perfil dos diretores de escola da rede pública, evidenciou que eles, em seu cotidiano, priorizam, em suas agendas, cuidar da infraestrutura, conferir a merenda, vigiar o comportamento dos alunos, atender os pais, receber as crianças na porta, participar de reuniões com as secretarias de Educação e providenciar material. Sobra pouco tempo para conversar com professores, prestar atenção nas aulas e buscar a melhoria do ensino, a meta essencial da escola. Faltam aos gestores, visão de conjunto, articulação entre os vários segmentos de atuação da escola e o empenho em enfrentar os desafios da gestão de tensões, conflitos, dificuldades e limitações. Não precisamos de muitas reflexões para inferir que com gestões dessa natureza, grande parte das escolas não está tendo a necessária mobilização e a necessária liderança para elaborar um Projeto Político-pedagógico efetivo.