Li, certa vez, uma definição de qualidade que me fez refletir bastante. Qualidade é adequação ao uso. Uma cena típica de um famoso consultor empresarial exemplificou de forma clara esse conceito. Tirando dos pés um sapato de couro de pelica, disse à platéia em tom categórico: “Esse sapato tem qualidade para mim. No entanto, se eu precisasse caminhar sobre lama, pedras e areia, ele deixaria de ter qualidade. Nesse novo contexto, uma bota de plástico teria muito mais qualidade do que ele”.
Essa definição nos leva, invariavelmente, de encontro aos conceitos de eficiência e eficácia. Eficiência está mais ligada ao processo, à forma como se faz. Eficácia está mais ligada ao resultado, ao produto que se obtém ao final do processo. Nesse caso, uma escola pode ser eficiente por desenvolver seus processos de forma adequada e cuidadosa e não ser eficaz, caso esses processos não produzam os resultados desejados. Da mesma forma, uma escola pode não ser eficiente e ser eficaz, caso o resultado final atenda ao se espera. Nesse último caso, temos uma grande atuação da “força do acaso”, ou das leis do caos.
Parece-nos claro que a definição de qualidade defendida pelo consultor está focada somente na eficácia, no resultado final. Trazendo a reflexão para o contexto educacional, uma educação de qualidade seria aquela que se adequasse ao uso de quem a recebe. Quem, no entanto, define essa adequabilidade? Muito provavelmente o consultor responderia: “aquele que usa”. Talvez, até ilustrasse sua fala com o famoso ditado “Só quem usa sabe onde o sapato aperta”. Mais uma vez retorno ao contexto educacional com uma imensa dúvida sobre a possibilidade de se usar esse conceito no universo da Educação. Será que podemos crer que o educando realmente sabe onde aperta o sapato? Será que ele consegue ir além do imediatismo da dor e identificar suas reais causas? A questão está no sapato ou em quem o fabrica? Quem sabe a questão esteja na falta de saneamento básico e a solução seja asfaltar as ruas para que o sapato de couro de pelica se adéqüe?
O conceito da Pedagogia da Eficácia precisa ser cuidadosamente utilizado. O processo educacional tem especificidades que nos impede de abordá-lo tão somente pela ótica do resultado direto. Aprender é processo interno. É processo, logo, não se realiza de forma imediata. É interno, logo, não se resume à mudança de comportamentos observáveis. Outro fator que faz do processo educacional um processo não passível de abordagem somente objetiva é a relação, nada absoluta, que se estabelece entre ensinar e aprender. Essa questão pode nos levar a um profundo engano ao afirmarmos que Educação de qualidade é aquela em que o ensino promove aprendizagens. Aprendizagem não depende exclusivamente do Ensino e Ensino não garante, por si só, aprendizagem.
Esse raciocínio nos leva a questionar um conceito de Educação de qualidade que dê ênfase somente à eficácia. Parece-nos que um conceito de qualidade mais adequado à natureza do processo educacional precisa incluir, igualmente, o foco na eficiência a partir do momento em que estamos falando de um processo de constituição do ser. Em que momento o aluno se torna o “produto” esperado? Como se determina esse momento? O fato de não apresentar um comportamento na data e hora marcada é comprovação contundente de que não houve aprendizagem?
Os objetivos educacionais surgem nessa história como possibilidade de se balizar o processo e de se oportunizar a reflexão sobre a intencionalidade do ato educativo. Para quê educamos? De onde provêm os modelos de pessoa educada que inspiram nossos objetivos? De que forma garantimos a fidedignidade das nossas ações com relação aos objetivos que estabelecemos?
Sou muito simpático ao conceito de Efetividade, que é a soma da Eficiência e da Eficácia. Efetiva é a Pedagogia que garante os resultados esperados, através de processos adequados e cuidadosamente conduzidos. A garantia dos resultados é guiada pela clareza e pelo compromisso dos objetivos educacionais, que precisam descrever, não somente os comportamentos observáveis finais, mas precisam considerar a dimensão processual e o caráter intersubjetivo do processo de avaliação.
A Pedagogia da Efetividade foca sua ação nos resultados, porém não desvia o olhar do processo. Precisamos aumentar o número de crianças alfabetizadas na idade certa, porém queremos crianças realmente alfabetizadas e não simples decodificadoras de sons e letras. Precisamos melhorar o nível de aprendizagem de Matemática, porém, precisamos perseguir a aprendizagem de uma Matemática realmente instrumentalizante e contextual. Precisamos melhorar o rendimento dos professores em sala de aula, porém, precisamos garantir uma ação docente que resulte em aprendizagens significativas. Os fins não estão desconectados dos meios.
A Pedagogia da Eficácia se mostra competente em apresentar resultados parciais e momentaneamente desejáveis, como por exemplo, o aumento do número de crianças nas escolas verificado nas últimas décadas. É verdade, as matrículas aumentaram, o resultado (parcial) foi atingido. Resta-nos, agora, enfocar a eficiência da escola para conseguirmos mantê-las através da qualidade dos professores e das aulas. A Pedagogia da Efetividade enfrentaria esses processos ao mesmo tempo e, muito provavelmente, estaríamos obtendo, hoje, resultados mais duradouros e consistentes.