Júlio Furtado é Professor e Escritor
Alastra-se pelo Brasil a prática de alunos ocuparem as escolas e apresentarem longas listas de exigências como pintar as salas de aula, comprar material para as aulas de Educação Física, melhorar a merenda e dialogar com a gestão da escola sobre decisões em que estejam envolvidos. Tive acesso a uma dessas listas e causou-me surpresa dois dos itens que diziam “queremos professores que permitam que falemos e que nos ouçam” e “que os professores expliquem a matéria de um jeito que a gente entenda”. Ao lado de reinvindicações que deveriam fazer parte da rotina da gestão escolar pública como pintar paredes ou prover material para as aulas, surgem questões que igualmente deveriam fazer parte de qualquer relação professor-aluno saudável. Fico imaginando como gerir uma sala de aula sem diálogo num mundo de jovens essencialmente interativos. Conversando com um professor grevista que está apoiando a ocupação de sua escola, ouvi que um dos piores alunos na opinião de quase todos os professores é uma das lideranças mais atuantes do movimento. Acorda cedo, divide tarefas, acompanha, ajuda, toma providências e até mesmo funciona como conciliador em casos de conflitos ou impasses. Segundo ele, o menino já conquistou o respeito e admiração de todos e já pensa em estudar gestão pública para dar vazão à forte vocação para liderança e mobilização. O contraditório dessa história é que o garoto só tira nota baixa e é visto como altamente indisciplinado. Parece que reivindicar diálogo e melhor didática em sala de aula são ações que fazem sentido. Chamou-me especial atenção a expressão “ocupar as escolas”. Só se ocupa o que está vazio. O verbo ocupar significa habitar, tomar posse, o que só reforça minha desconfiança. A escola está desabitada e os alunos não se sentem donos dela, não se sentem ocupando-a no sentido literal da palavra. Parece que a escola que os abriga não os comporta mais. É preciso ocupa-la de verdade, em todas as suas dimensões. Fico pensando no “mal aluno” que se tornou líder do movimento voltando para uma escola vazia de emoção e significado, com salas de aula de carteiras enfileiradas e com professores que não o deixam expressar suas ideias, além de não saberem usar uma linguagem que o faça entender o sentido do que estuda.