Júlio César Furtado[1]
Não há dúvida de que podemos pensar na escola como instituição que pode contribuir para a transformação social. Mas, uma coisa é falar de suas potencialidades… uma coisa é falar “em tese”, falar daquilo que a escola poderia ser. […] outra coisa bem diferente é considerar que a escola que aí está já esteja cumprindo essa função. Infelizmente essa escola é sim reprodutora de certa ideologia dominante… é sim negadora dos valores dominados e mera chanceladora da injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura econômica. (Paro, 2001, p. 10)
A idéia de escola inclusiva passou a ganhar força, a partir da década de noventa, com a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. Os primeiros reflexos no Brasil foram o PDE (Plano Decenal de Educação – 1993/2003) e a nova LDBEN (9394/96). Podemos identificar três grandes conotações na idéia de inclusão presentes nesses dois documentos. A primeira delas, podemos chamar de “inclusão estrutural”. Tanto no PDE quanto na LDBEN, fica clara a intenção do governo de instituir a “gestão compartilhada”, na qual divide com a sociedade civil a responsabilidade de prover educação para todos. Nessa perspectiva, o modelo de gestão indicado pelo Estado necessita da “ideologia inclusiva”, da qual nos fala José Alberto Correia em sua obra A construção político-cognitiva da exclusão social no campo educativo, para dar conta da manutenção da escola. Com o discurso de incluir todos os segmentos da sociedade na tarefa de educar as futuras gerações, o governo repassa a responsabilidade dessa educação aos seus próprios beneficiários. Temos aqui a primeira conotação “inclusivista”: incluir, na escola, todos os segmentos da sociedade. A segunda conotação da idéia de inclusão foi chamada de “inclusão social”. A necessidade de ampliar o acesso das crianças e jovens das classes menos favorecidas à escola consagrou-se sob a bandeira da inclusão, o que resultou no aumento vertiginoso das taxas de acesso à escola. É mais do que notório que esse aumento não foi seguido, na mesma proporção, pelas taxas de permanência e, muito menos se traduziu em qualidade da aprendizagem. Podemos dizer que a inclusão social ainda não ocorreu de fato, pois os índices médios de aprendizagem de alunos oriundos das classes desfavorecidas são, lamentavelmente, baixos. O terceiro sentido da idéia de inclusão é a “inclusão das diferenças”, contido no discurso da “Educação para a diversidade”. É nesse contexto que se insere a inclusão do indivíduo portador de necessidades especiais, que a atual legislação define que ocorra, preferencialmente, nas classes e escolas regulares. Nesse tocante, como afirma Maria Helena Michels em seu artigo Gestão, formação docente e inclusão: eixos da reforma educacional brasileira que atribuem contornos à organização escolar, o professor e sua necessária formação aparecem como elementos decisivos no encaminhamento dessa versão de escola. Ou seja, o professor assume o papel de gestor da educação e a sua formação deve reafirmar tal função. Para isso, o governo propõe uma formação de professores aligeirada e utilitarista, tendo por base a prática docente. Com relação à preparação do professor para lidar com a diversidade, em especial, com os alunos portadores de necessidades especiais, observam-se, a partir da literatura existente, duas linhas de discurso: a linha diretiva e a linha reflexiva. A linha diretiva, em síntese, toma a inclusão como um modelo predefinido; dá receitas sobre como ela deve ocorrer; discute a inclusão sem levar em conta as suas reais possibilidades. Alguns autores tratam a inclusão de portadores de necessidades especiais como um problema restrito ao desenvolvimento de competências dos professores. Restringem a discussão às questões específicas relacionadas aos tipos de deficiência e pouco discutem a imprescindível tarefa de ensinar esses alunos. A linha diretiva de formação de professores para a inclusão orienta operacionalmente a ação docente, sem nenhuma preocupação com as reais condições dos indivíduos, das instituições e dos métodos. Encontramos diversos “Manuais” que ilustram bem essa linha. Neles, pode-se ler, por exemplo, que com relação a alunos com distúrbios de comportamento, o professor deve aplicar técnicas de modificação de conduta; atribuir-lhes tarefas especiais e ignorar comportamentos inadequados, quando possível. A questão aqui não é sugestão da atividade, mas sim a redução do problema à sugestão da atividade. A linha reflexiva de formação analisa a inclusão como parte das questões sociais mais amplas e procura discuti-la articulada ao debate da educação geral. Nessa perspectiva, a materialidade das condições históricas e sociais para a inclusão é que possibilita a discussão sobre a mesma. Nesse tocante, a inclusão deve ser encarada à luz das suas reais possibilidades e não como “eixo temático” ou fim em si mesma. Além disso, a linha reflexiva propõe que professores, alunos e sociedade sejam agentes do processo de discussão e não vítimas das decisões governamentais. Nas duas linhas, porém, observa-se o mais completo abandono das questões subjetivas. O ato de incluir diferenças é, primeiramente, subjetivo, o que coloca a dimensão pessoal como essencial nesse processo de formação. Incluir a dimensão pessoal no processo de formação do professor é oferecer espaço e condições para que ele seja instigado a auto-desafiar seus valores e atitudes. Esse estágio é fundamental para que a atitude inclusiva ocorra da forma mais verdadeira, possível. Uma política de formação de professores para a inclusão precisa, então, considerar as dimensões metodológicas, político-sociais e subjetivas concomitantemente, sob pena de “deformar” o processo. Lidar efetivamente com diferenças em sala de aula é atitude que contraria a formação homogênea a que se submeteram os professores ao longo do tempo, além de se constituir orientação oposta à ideologia neo-liberal de exclusão social. Formar para a inclusão é tarefa que pressupõe a “inclusão” do professor em todas as suas dimensões. Somente um professor “incluído”, ou seja, levado em conta em suas instâncias social, política, metodológica e subjetiva tende a, verdadeiramente, promover inclusões. Reflitamos sobre isso. Referências Bibliográficas: PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Á tica, 2001. CORREIA, José Alberto. A construção político-cognitiva da exclusão social no campo educativo. Porto, Portugal: Universidade do Porto. 2004. MICHELS, Maria Helena. Gestão, formação docente e inclusão: eixos da reforma educacional brasileira que atribuem contornos à organização escolar. In.: Revista Brasileira de Educação, v. 11, nº 33. Set/Dez 2006. São Paulo. [1] Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana. Mestre em Educação pela UFRJ. Pedagogo, Psicólogo e Professor.